#223 - Militarizando a fé: quando a oração do Senhor se torna uma arma
O Secretário de Guerra Pete Hegseth ocupa uma das posições mais poderosas do governo federal dos Estados Unidos. Como chefe do Departamento de Guerra, ele atua como o principal estrategista militar da nação e conselheiro do Presidente em matérias de guerra e defesa nacional. Suas decisões influenciam não apenas as operações das forças armadas dos EUA, mas também os desdobramentos políticos em todo o mundo.
No dia 20 de setembro de 2025, o Secretário Hegseth publicou um vídeo na conta oficial no X, recitando a Oração do Senhor (Pai Nosso), enquanto imagens de aviões de guerra, tanques e bombas apareciam na tela. Nesse contexto, a fé foi usada para justificar a força, e textos bíblicos foram empregados para fazer a violência parecer aprovada por Deus. A fusão da oração de Cristo — um apelo sagrado por paz e perdão — com símbolos de guerra envia uma mensagem perigosa e profundamente contraditória. No centro dessa questão está o princípio da separação entre Igreja e Estado, consagrado na Primeira Emenda da Constituição dos EUA.
Como Secretário de Guerra, Hegseth não age como cidadão privado, mas como representante do Estado. Ao invocar a Oração do Senhor por meio de mídia governamental oficial, ele apresenta os militares dos EUA como um exército cristão envolvido em uma guerra sancionada por Deus — uma imagem que conflita diretamente com os fundamentos da liberdade americana e da liberdade religiosa.
A Oração do Senhor, dada pelo próprio Cristo, é um chamado para avançar o reino espiritual de Deus — não para defender ou conquistar territórios terrenos. É um pedido por perdão e livramento do mal, falado em linguagem de humildade e reconciliação, não um chamado para conquista e destruição. Transformar essa oração sagrada, sobrepondo-a a bombas e tanques, é transformar uma prece de paz em um instrumento de guerra psicológica cristã. Essa abordagem corrompe o significado espiritual da Oração do Senhor e sugere, falsamente, que Jesus aprova muitas das campanhas militares terrenas modernas.
A história mostra que quando nações misturam autoridade divina com poder militar, isso leva a cruzadas, perseguições e derramamento de sangue em nome de Deus — uma traição da própria fé que afirmam sustentar. A mensagem subjacente é clara: as políticas militares dos EUA estariam sendo guiadas por motivos religiosos, e não por princípios constitucionais — ou seja, seria uma declaração de nacionalismo cristão e um ressurgimento da ideia da guerra santa.
As Forças Armadas dos Estados Unidos deveriam proteger cidadãos de todas as crenças — e não elevar uma fé acima da outra. Ao buscar santificar instrumentos de guerra com a Oração do Senhor, o vídeo de Hegseth mina o princípio da neutralidade religiosa e afasta aqueles de outras crenças — ou sem crença — que servem sob a mesma bandeira e juraram defender a Constituição.
Quando o Estado começa a usar a linguagem da Igreja para justificar suas ações militares, ele desonra tanto a Bíblia quanto a Constituição.
Governo e religião jamais devem se fundir — e a Oração do Senhor não deveria ser usada contra o pano de fundo de aviões de guerra e bombas.